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A cena me deixou terrificado. Há poucos
dias, visitei uma escola paulistana de ensino fundamental, em um bairro de
classe média da cidade. Cheguei à hora do intervalo e deparei-me com um quadro
que parecia retirado de algum episódio de “Black Mirror”, a série televisiva
que explora os aspectos mais sinistros do impacto da tecnologia sobre o mundo
contemporâneo.
Espalhados pelo pátio, recostados
nas paredes, sentados ao chão, divididos em grupos, praticamente todos os
alunos mantinham os olhos presos às telinhas dos respectivos celulares. Eram dezenas
de crianças e pré-adolescentes. De ombros arqueados, quase nenhum olhava
diretamente para o outro. Boa parte deles utilizava fones de ouvidos.
Muitos movimentavam os polegares
freneticamente, digitando algo nos minúsculos eclados virtuais, enquanto
caminhavam às cegas, sem olhar para a frente. Outros, imóveis, nucas curvadas,
retinas fixas nos aparelhinhos, mantinham o semblante vazio, uma expressão de
ausência e torpor.
Estavam fisicamente juntos, mas
separados por uma barreira invisível. Naquelas mentes e corpos em formação, a
criatividade, a energia e o fulgor tão típicos à idade pareciam tragados pela
entropia de um assustador buraco negro. A imagem me provocou tamanho abalo que,
nos dias posteriores, arrisquei-me a investigar um pouco mais o fenômeno.
Tina uma hipótese inicial,
compartilhada, creio, por muitos. Apostei que iria encontrar apenas um cenário
de hiperexposição das vaidades, uma hipertrofia dos egos, a especularização da
banalidade cotidiana.
Vasculhei a internet, busquei
bibliografia especializada, analisei grupos de WhatsApp, percorri redes
sociais, segui usuários, acompanhei hasthtags, baixei aplicativos. Contudo,
minha hipótese inicial mostrou-se insuficiente. O panorama, até onde pude
avaliar, aparenta ser muito mais aterrador.
Por minha condição de pai,
conheço muitos pré-adolescentes e já havia constatado que a maioria deles se
recusa a qualquer espécie de imersão interior ou mesmo ao exercício da
contemplação do mundo. Numa viagem de automóvel, por exemplo, preferem
distrair-se com tabletes e celulares ao olhar pela janela, a mergulhar nos
próprios pensamentos ou a simplesmente apreciar a paisagem.
Parecem ter uma dificuldade de
lidar com as pausas e silêncios necessários à autorreflexão e à construção da
própria subjetividade. Some-se a isso o comportamento multitarefa, a
exercitação por reagir de imediato a estímulos das mais variadas procedências, o
instantaneísmo incitado pelas redes, e tudo parece convergir para uma certa
vulnerabilidade e, talvez, alguma espécie de vácuo emocional.
O fato é que constatei a
proliferação, em escala alucinada e preocupante, do número de adolescentes que
compartilham entre si mensagens suicidas e sugestões de automutilação. Perfis no
instagram exibem imagens de jovens carregadas de morbidez. Em grupos de
Whatszapp destinados a fãs de animes e literatura fantástica, amigos virtuais
que se autointitulam “tios malvados”
convidam os incautos a conversar por mensagens privadas.
O cyberbullying é praticado
abertamente, contando inclusive com a ajuda de aplicativos como Sarahah (“franqueza”,
em árabe), um dos mais populares entre os jovens, destinado a enviar mensagens
anônimas para qualquer pessoa, criticando aspectos de sua personalidade ou
aparência. No linchamento cibernético do Sarahah, não há ferramentas
disponíveis para o atingido se contrapor ao agressor.
Outro aplicativo onipresente nos Smartphones
dos adolescentes é o coreano SimiSimi, criado em 2002, mas que nos últimos
meses voltou com tudo à moda. Trata-se de um chatterbot, ou seja, um programa
baseado em inteligência artificial capaz de manter uma conversação em tempo
real com o usuário. Nesse caso, por trás do personagem amarelinho e sorridente,
o tal SimiSimi, esconde-se um interlocutor agressivo e boca suja.
Baixei-o em meu smartphone para
entender como funciona. Em menos de 15 minutos de interação, eu já estava sendo
xingado com palavrões cabeludos e recebendo, da parte dele, propostas
sexualmente explícitas. “Vou chupar você” e “Me bate, seu otário, me encha de
prazer” foram algumas das frases mais publicáveis ditas pelo bonequinho.
Enquanto isso, existe gente por
aí querendo censurar exposições de arte. O verdadeiro perigo parece estar nas
mãos de nossas crianças e adolescentes, livremente, acessíveis a um clique. Abominável
mundo novo.
Escrito por Lira Neto, no dia 15
de outubro, no Jornal a Folha de S. Paulo
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